Jump to content

A origem do pterodáctilo de ferro


Recommended Posts

            Desde a descoberta das Ilhas Flutuantes em Ayvondil, não é fácil ficar em paz. Toda hora, grupos de guerreiros percorrem o Sertão. Se me veem, empunham suas armas e lutam contra mim. Se os grupos forem de diferentes alianças, lutam entre si pela minha cabeça. Se conseguem me derrotar, meu esqueleto metálico despenca no chão, eu durmo por alguns instantes e, em seguida, ressurjo em algum lugar do Sertão, destinado a prosseguir com esse ciclo. A vida era mais fácil quando havia apenas meu mestre e eu. Bem, contarei a história de meu surgimento e de como cheguei a esse ponto.

            O Sol aquecia como nunca o metal que compunha minha gaiola. Eu estou muito entusiasmado para o dia que está para começar. Ansiedade corria pelas minhas escamas. Hoje, serei visto por todo o povo dos trolls de Tom-Logu, afinal é um dia especial. Hoje, haverá as tradicionais corridas de asa-de-pele. Eu corria inquieto pela minha gaiola, sabia que eu iria vencer, já que eu era o asa-de-pele vivo mais rápido: meu treinador e eu sabíamos disso. Ele abre a porta destinada a me alimentar e, por ela, passam três roedores mortos. Meu treinador ia se afastando, e enquanto ouço seus passos se tornando mais suaves, eu devoro meu lanche. Delicioso.

            Por uma das frestas da gaiola, passa um raio de luz diferente, ofuscante. Eu me aproximo da fresta para descobrir a origem de tal raio e percebo que parte do reflexo de uma lâmina, a lâmina de um Guarda de Tecnópolis. Guardas de Tecnópolis, eu os odeio. Eles e seu criador, o Engenheiro. Esses idiotas cabeças de lata conquistaram muito das ilhas pertencentes aos faunos e trolls por direito, acabando com a vida local e expandindo sua legião de monstros metálicos.

            Um dos três guardas se aproxima do meu treinador. Parece que eles estão discutindo. E parece que é sobre mim. O guarda aponta para minha gaiola com seu braço esquerdo férreo. Eu procuro outra fresta em que pudesse enxergar melhor o que se passava ali. Sem sucesso, volto para a fresta inicial. Mas não havia mais ninguém no local, pois tanto meu treinador quanto os guardas haviam saído. De repente, ouço passos. De botas metálicas. O som aumentava à medida que se aproximavam da minha gaiola. Eram muitas botas pisando em sincronia nas pedras usadas como caminho pelos trolls. O barulho cessa, muito próximo a mim, e depois de uns segundos silenciosos, minha gaiola é erguida do chão e levada para longe de Tom-Logu, deixando apenas a poeira oriunda da sua movimentação.

            Eu não imaginava o que estava acontecendo. Levei meus olhos de fresta em fresta procurando identificar algo familiar para descobrir onde eu estava, mas era tudo inédito. O grupo cruza uma pequena ponte e larga minha gaiola em uma enorme plataforma, completamente feita de metal. Um barulho estrondoso de passos começa em seguida e, então, vozes.

            [Engenheiro] Trouxeram o que lhes pedi?

            [Guarda] Sim, mestre.

            [Engenheiro] Excelente! Veja que belo exemplar de asa-de-pele, exatamente o que eu procurava!

            Essa conversa não está me soando bem. Eu procuro desesperadamente uma forma de escapar daquela gaiola, antes que algo aconteça comigo. Então... Ah, um momento. Me encontraram mais uma vez.

            É um grupo de sentinelas. Um druida, um patrulheiro e um guarda. Os três andam na trilha em minha direção, o guarda se posiciona na frente e, então, o grupo investe contra mim. Mesmo que meu corpo metálico absorva grande parte do dano, não é suficiente para sobreviver. Eu usava minhas asas o máximo que podia para tentar aparar os ataques. Choques ensurdecedores de ferro com ferro. Depois de muito esforço, cedi. Meu corpo sem vida cai com um estrondo nas pedras da trilha. Logo após, ressurjo em outra área do Sertão. Enfim, vamos continuar a história.

            Então, o Engenheiro abre a porta da minha gaiola. Ele era um colosso vermelho, com longos braços e pernas metálicos. Uma luz ofuscante brilhava em seu peito, oriunda de um prisma. Em seguida, vejo um guarda com grandes correntes em suas mãos. As correntes, então, envolvem meu pescoço, e sou conduzido pelo guarda até uma mesa, onde minhas patas, asas e bico são presos. O Engenheiro se aproxima de mim com uma serra na mão esquerda e uma espada na mão direita. Ele começa o seu trabalho. Carne rasgada, ossos quebrados. As partes do meu corpo estavam sendo lentamente substituídas por metal. A dor era insuportável. Desmaiei, pois.

            Acordei afastado da mesa. Meu corpo estava completamente composto por metal, exceto o dorso. Parece que, onde antes era meu dorso, agora havia um grande retentor de energia que mantém meu corpo em funcionamento. Quanto a mim, inexplicavelmente me sinto ótimo.

            Na minha asa esquerda, estavam gravadas as letras P T E R I K S. Suponho que seja assim que sou conhecido a partir de agora. Quando voltei minha atenção para meu redor, percebi que ninguém me observava, ou se preocupavam com a minha fuga. Então saí dali. E como saí. Me surpreendi com meu novo corpo. Minhas asas cortavam o ar como nunca, produzindo um ruído agradável e sinfônico. Meu corpo, embora metálico, parecia mais leve do que antes. Eu estava atingindo uma velocidade surreal, nunca tinha voado tão rápido antes, e o mais estranho: me sentia grato pelo Engenheiro. Me sentia seu aprendiz.

            Sobrevoando os arredores da plataforma do Engenheiro, eu avistava cada criação do meu mestre. Parece tudo tão... bonito. No horizonte, eu enxergava as aldeias de Pelion e Tom-Logu. Estranho, parecia haver uma comoção em ambas as cidades. Seria bom voltar à plataforma para descobrir mais sobre isso.

            Já na plataforma do Engenheiro, vejo que ele está fora do seu traje mecânico, em uma reunião com seus guardas.

[Engenheiro]... desde que todas entradas para o Sertão estejam protegidas. Nós precisaremos de todas forças concentradas aqui e... ah! Pteriks, sua chegada foi muito oportuna: preciso que entregue esta carta ao primeiro Nomarca em Tecnópolis, ao nordeste. Uma grande batalha se aproxima.

             Assenti. O Engenheiro me estende a carta e eu a apanho com a garra esquerda, já partindo para entregar a mensagem.

            Tecnópolis, devo admitir, é a criação mais incrível de meu mestre. Uma cidade construída inteiramente de pedra, com formato circular simétrico. No centro, uma enorme torre se destacava entre todas estruturas. Suponho que seja lá onde devo entregar a mensagem de meu mestre.

            Pouso em frente a uma grande porta dupla de bronze. Um guarda puxa uma alavanca à esquerda da porta e, com um som que remete à despressurização, a porta começa a se abrir.

            O Nomarca chega a ser assustador. Esse colosso dourado ocupava grande parte do saguão. Seus quatro metros de altura quase colidiam com o teto do primeiro andar da torre. Uma enorme engrenagem tomava o lugar de suas pernas e conferia a capacidade de locomoção ao gigante.

            Levanto minha pata esquerda e entrego-lhe a mensagem. Nomarca a lê em voz alta.

            [Nomarca] “Nossos informantes confirmaram a chegada das alianças Sentinelas e a Legião às nossas ilhas. Os locais os acolheram bem e, em breve, as alianças começarão a explorar o Sertão. Por isso, energizei os portais que conectam Tecnópolis à minha plataforma. Informe a quem está em Tecnópolis que todo soldado disponível deverá atravessar o portal e apresentar-se a mim até a alvorada amanhã. Levaremos a guerra até eles.”

            Essa carta despertou minha curiosidade sobre essas alianças. Queria saber o porquê de o Engenheiro temer a chegada delas. Me despedi, pois, do colosso férreo e parti em direção a meu mestre.

            Atravessei o portal agora aberto. O Engenheiro perambulava pela plataforma, fora de seu traje. Perguntei a ele o que me intrigava.

            [Engenheiro] Pteriks, já olhaste tudo que há abaixo das Ilhas Flutuantes?

            Assenti.

            [Engenheiro] É a Floresta de Ayvondil. Toda vida depende dela, inclusive a nossa. A energia que movimenta todos seres mecânicos de minhas ilhas provém do dreno da magia da floresta, que é convertida em energia por máquinas criadas por mim. Eu posso até criar artefatos com base nessa magia, como o prisma que brilha em meu peito. Nessa floresta já ocorreram sangrentas batalhas, Pteriks. Batalhas entre as duas alianças que estão invadindo nossas ilhas. Essas batalhas gravaram cicatrizes terríveis na floresta e em todos seres dependentes dela. Não houve cura do dano causado. A Legião e as Sentinelas nunca param de lutar entre si pelos confrontos entre seus deuses no passado. Agora, estão trazendo suas desavenças às minhas Ilhas. Enquanto eles estiverem aqui, todo o império que ergui durante esses anos está comprometido, e isso é algo que não posso permitir.

            O Sol começou a surgir no horizonte. Ia lentamente iluminando cada fila de carapaças metálicas organizadas pelo meu mestre, e todos esperavam pelo seu comando. Era perturbador como algo tão belo prenunciava derramamento de sangue.

            Então, a ordem do Engenheiro.

            [Engenheiro] Avante! Primeiramente atacaremos Tom-Logu e, em seguida, Pelion.

            À medida que sua voz ecoava pelas ilhas repletas de soldados, aqueles que já ouviam o brado iam se mobilizando e iniciando uma marcha em uníssono. A movimentação era tamanha que as ilhas menores estremeciam com a passagem dos soldados. Eu acompanhei-os dos céus, e o Engenheiro, da terra.

            Tom-Logu surgia no horizonte. À medida que nos aproximávamos, os gritos desesperados dos locais se tornavam cada vez mais nítidos, motivando os soldados mecanoides a dispararem em seus inimigos.

            A aldeia não ofereceu resistência alguma. Nas lâminas dos robôs, brilhava o sangue escarlate dos corpos de legionários e trolls espalhados. Os mecanoides saudavam a chacina ali realizada. “Para a Doca Aérea!”, gritavam os sobreviventes. A Doca Aérea era utilizada como passagem de Malíata para Tom-Logu. Consistia em um grande abrigo formado por uma linha de enormes balões de ar presos a cordas, conectando a floresta à aldeia, que fez surgir uma ideia à minha mente.

            Eu me aproximei da beirada da ilha que sustentava Tom-Logu e mergulhei. Atingi uma velocidade surreal. Avistei algumas cordas que sustentavam os balões e fitei-as, agora voando em direção a elas. Estendi minhas asas e desferi um corte perfeito nas cordas. O balão, sem nada que o sustente, sobe, e os sobreviventes lentamente desaparecem nas nuvens.

            Tom-Logu havia sido salteada. Faltava Pelion. Infelizmente, para os planos de meu mestre, alguns trolls que fugiram previamente conseguiram salvar suas vidas, podendo informar os faunos de Pelion o que estava por vir.

            A Legião férrea do Engenheiro desconhecia desse fato, aproximando-se de Pelion da mesma maneira que atacaram Tom-Logu. Foi um erro fatal. Ouvimos cornetas soando dos arautos e, logo em seguida, uma nuvem negra se formou nos céus, causando um eclipse no campo de batalha. A nuvem desceu. Junto a ela, os corpos dos soldados mecânicos. Mesmo resistente, o metal que compunha o corpo dos soldados não impedia que as poderosas flechas élficas o perfurassem. Então outra nuvem. E outra. Os números do Engenheiro despencaram, e as Sentinelas avançaram, forçando os mecanoides a lutarem no Sertão.

            Após muito esforço, os Legionários conseguiram restaurar a passagem de Malíata a Tom-Logu. A Legião marchava pelas ilhas clamando por vingança aos soldados metálicos. Eles, então, depararam-se com as Sentinelas enfrentando os robôs no Sertão, decidindo intervir na batalha.

            O Engenheiro se encontrava cercado. Pesava ver as duas alianças que ele tanto odeia atacando-o de ambos os lados. Ele senta no chão e me convoca, e eu voo em sua direção.

            [Engenheiro] Pteriks...

            Ele faz uma pausa e arranca um prisma de seu peito.

            [Engenheiro] Pegue isto e mantenha em segurança. Estou te confiando o destino dos mecanoides. Este prisma contém a última reserva de energia drenada da floresta. Assegure a vida de minhas criações enquanto eu me ausento. Farei uma viagem, mas eu volto. Prometo que volto.

            Eu voo o mais rápido que posso a Tecnópolis.

            O Engenheiro se levanta. Ele caminha próximo à beira da ilha, estende seus braços e permite-se deitar na enorme cama de ar atrás dele.

            Pois é assim que estou como estou, aguardando a volta de meu mestre. O artefato que ele me conferiu está escondido em Tecnópolis, longe de todos. Mas eu sei que ele não morreu. Eu sinto. E aguardarei pacientemente o dia que eu estiver ao lado dele realizando sua vingança. Caso ele não volte, eu mesmo a farei.

 

Dehaka - BR Tourmaline

Edited by Dehaka
Link to comment
Share on other sites

Join the conversation

You can post now and register later. If you have an account, sign in now to post with your account.
Note: Your post will require moderator approval before it will be visible.

Guest
Reply to this topic...

×   Pasted as rich text.   Paste as plain text instead

  Only 75 emoji are allowed.

×   Your link has been automatically embedded.   Display as a link instead

×   Your previous content has been restored.   Clear editor

×   You cannot paste images directly. Upload or insert images from URL.

×
×
  • Create New...